segunda-feira, 29 de outubro de 2018

HOJE ELA É MORTA, MAS DEVE SER SÓ HOJE ...

A morte não é minha amiga, sempre soube disso. Ela tenta seduzir, insinuando que não irá doer, mas ela mente.
Dor é aviso de quebra, de separação, que algo que estava bem junto há de se separar, principalmente se não se der atenção, quando não se dá conta..
Que bom que a dor avisa; mas também não pergunto nada, não a procuro, ela que vem a mim, se adianta e conta o que pode vir a separar.
A dor conta o que tem de contar, de um jeito meio silencioso, mas é a gente quem grita, a quem ela dirige sua palavra. 
Eu grito. 
Grito de raiva, grito de tédio, grito de dor e grito de lamento. Grito por impotência, inclusive a impotência do cálculo ao planejar fazer o que pensava poder fazer, mas não posso ... 
O que de fato posso fazer? ... Chorar?
Choro de raiva, de tédio, de dor e por lamento; mas também choro de rir, choro por lembrar, choro por ser gente.
Não sei bem o que é ser gente, mas acredito ser. Melhor acreditar estar gente, pois a possibilidade de morte separa a identidade, e morrendo se pode deixar de ser.
Estou aprendendo a morrer, deixar de existir o eu, limitado e pequeno, bem limitado e bem pequeno.
Com isso não quero dizer que a morte passou a ser minha amiga, ela definitivamente não é. 
Quero morrer para a limitação, que me impede de ver, de escutar, de crescer, de desejar grande, de desejar o Todo, de desejar o Um.
Um dia vou morrer, mas nesse dia o Um já viverá em mim, por completo.