segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

CORAÇÃO: TÃO FALADO E POUCO COMPREENDIDO

"Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados". 
Fazer aos outros o que se deseja que seja feito consigo é pedagógico. Penso que tudo que é verdadeiramente pedagógico é feito a partir do Amor. Assim se ensina como se deve fazer, e desperta a muitos, atentando para nossa condição do humano, uma mesma condição, a de necessidade. O que me faz lembrar que é bastante comum nos conectarmos em tempo de necessidade. Nesse tempo oferecemos pouca resistência, e nos deixamos ser lembrados de nossa condição.
Pena que alguns não a podem reconhecer, nem nesse tempo e nem em tempo algum, pois não querem ser iguais, negam a própria condição. Não querem depender, querem ser melhores, piores nunca! Isso é uma raiz que faz crescer uma árvore sem nenhum fruto, nem graça. Nenhuma compaixão, tampouco Amor. Já senti que seja assim.
De fato, a necessidade nos nivela, faz reconhecer. 
Ao sentir sobre isso, confesso que consigo entender aquele que corre só atrás do dinheiro, porém continuo a considerar sua escolha ruim. Não adiantará tentar ser melhor, seguro que não irá conseguir. Esse parece ser mesmo um caminho curto e raso, que não vale à pena trilhar, não é seguro, não irá desembocar em lugar algum. 
Melhor é investir em algo mais precioso do que as coisas que se podem ter com os olhos. 
Corações são bons investimentos e também são uma riqueza, das que se vê com a consciência, mas que para permanecer bom, não se pode ter, só se deve cuidar. 
Não sei bem se dizer "corações" é aonde o que me refiro que esteja. Pois, ouvi que por um tempo se achava que a essência da vida estava nos rins, e em outros tempos, no cérebro. Faz um bom tempo que se fala no coração. Então, deixemos assim.
Já que toquei no assunto, quando eu era criança, com a liberdade genuína que criança tem, questionava o porquê de não sermos transparentes. A mim me parecia que seria tão funcional e mais natural ser transparente do que o corpo ter nascido opaco e turvo. Até então, não me dava conta do poder do sol. Pensava que se fosse como planejava, ao digerir algo que não caiu bem, poderia ver o que foi. Que independência! Ansiava por ela. Pensava também que se fosse como desejava, ao invés de dizerem 'que belos olhos', poderiam dizer: 'que belos pulmões' ou 'que belo coração'. Talvez, mesmo muito pequena, já desejasse a intimidade. Coisa de criança, desejar os incompatíveis: independência e intimidade. 
Ao pensar um pouco mais, e sem ter pensado sozinha, mas a partir de outros, alguns de meus órgãos não estão vedados somente aos olhos, mas também à consciência, pois, acredito que os tenho dentro de mim, mas não os conheci. O pâncreas, por exemplo, nunca se apresentou, nem mesmo se queixou, nem se quer coçar, coçou; não sinto que o tenha, nem sei quem é. O que sei é que me disseram que devo tê-lo. De qualquer modo, ele não se queixa e nem reclama. Mas, também não se dá a conhecer.
Pensando nisso, posso dizer que meu corpo é um bom corpo, ele tem bom coração: paciente, tolerante, não reclama nem se ressente. Realiza suas funções com diligência. Ele protege e se regenera sem nem me consultar, para não causar transtorno, nem pergunta minhas razões do porquê ter agido de um jeito e não de outro. Não julga. Generoso.
Voltando ao coração, que não sei se é esse do corpo, ele é cheio de mistérios, histórias e muita força. Já ouviu: "Das coisas que se deve guardar, guarde teu coração, pois dele que procedem as fontes de vida". 
Por que será que as fontes de vida escolheram morar no coração?
E ainda: "O que contamina não é o que entra na boca, mas o que sai da boca (...) Mas o que sai da boca vem do coração, e isso é que torna impuro".
Parece que pode mesmo haver mais moradores no coração, além das fontes de vida. Devem entrar por sua porta. Arrombá-la talvez. Ou seduzir para poder entrar. E quem é seu guardião, para que se possa pedir, bater, arrombar? Que órgão desejado! Quem nunca tentou ganhar e tomar posse do coração de alguém? 
Penso que só um é digno de tê-lo para Si. Ele o guarda consigo, cuida com zelo e amor infinito.
Mas, quem nunca tentou ganhar um coração e retê-lo pra si, mesmo sem ser digno, e por vezes se consegue. Mesmo que o preço seja a ruína, a demolição. A amargura, por exemplo, é sintoma de coração destruído. Falta de perdão, de coração ferido. Julgamento, coração inseguro de seu valor. 
O que achei ter compreendido, ao menos foi assim que fui ensinada (não sei se com amor), que coisas do coração se opõem às da razão. A tradição do saber quem ensinou que é assim. No entanto, poderia ser que coração e razão também estejam no mesmo lugar, pois do que ouvi dos que julgam saber, disseram que não encontraram o lugar das coisas que ficam no coração e as que ficam na razão, se é que são separadas mesmo. Não sabem da latitude nem longitude, não acharam ainda, mas estão procurando. A última vez que os ouvi falar, disseram que está tudo espalhado pelo corpo e fora dele também. Deram um nome a essa configuração: "Cognição incorporada e situada". Essa é uma de muitas vozes, cada uma conta sua versão.

Está escrito também: "O coração é o que há de mais enganador, e não há remédio. Quem pode entendê-lo?"

Quem pode curá-lo quando se ressente? 
Passei a lembrar que, diferente do pâncreas (pois, quem consegue lembrar que tem pâncreas?), o coração não passa desapercebido, ele reclama e também se alegra. Muda de ritmo e de humor. Já o ouvi bater e gostei tanto de ouvir, gostei de seu timbre, de sua cadência. Também o sinto no tato, sinto nos dedos. É um órgão expressivo, forte, musculoso, mas que exige cuidados, ele é de consciência delicada, um nervo exposto, parecido com o dente - forte e delicado ao mesmo tempo.
Dizem que o esmalte é a parte mais dura do corpo humano. A vida do dente fica protegida por ele, depois do esmalte tem a dentina, que reveste a polpa. A polpa é a que fica bem lá dentro, em seu centro, cheia de enervações que avisam, e microvasos que irrigam com delicadeza, nutrindo tudo.
O coração talvez seja a polpa da alma. Pois tal qual acontece com o dente, se exposto por completo e tocado em sua polpa, a dor que reclama é lancinante, lateja e lembra o tempo todo de sua existência. Por vezes, se ressente, e nunca mais para de reclamar. Há os que, para fazer parar a dor, arrancam o nervo, fazem o dente morrer, aí não pode reclamar mais, nem sentir. Os mortos não se fazem lembrar.
A dor também traz consigo ensinamentos. Parece que o amor é ponto de partida para que se ensine, mas a dor é que faz lembrar quando se resiste. Não só penso que seja assim, como também já senti.


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

AINDA SOBRE O TEMPO

Na perspectiva do tempo, o nascer não é o início, nem o morrer é o seu fim. 
Platão escreveu a respeito da natureza do tempo e do dia de sua criação, escreveu de um jeito bonito, um tempo tão majestoso: "Então, [o Demiurgo] pensou em construir uma imagem móvel da eternidade, e, quando ordenou o céu, construiu, a partir da eternidade, que permanece uma unidade, uma imagem eterna que avança de acordo com o número; é aquilo a que chamamos tempo." (Timeu, 37 d.). 
Não sei você, mas eu gosto de ler livros que falam sobre quem o tempo é. Pois, se não souber como ele é, como poderia saber contá-lo e saber como gastar meus dias e de que forma traçá-los.
Penso que por estarmos sob o domínio do tempo convém aprender a separar o que é precioso do que é vil, pois gastar o tempo com coisas vis é desperdiçá-lo. E como todo mundo já sabe, o tempo não anda pra trás. Ou talvez ande, mas até onde sei, não nos leva consigo quando assim se movimenta. Alguém importante sempre me fazia lembrar: "O tempo está passando ...". Parecia estar sempre com relógio em punho e pronto a apontar.
Acredito ser diferente o tratamento que o tempo dá aos que ficam presos em suas tramas, como já dissemos. Mas nesse lugar onde o tempo não anda, nada se renova e tudo fica igual, o padrão se repete sem nenhuma surpresa. Ainda assim ele não anda pra trás, não conosco, só se nega a andar. 
O mito de Sísifo faz lembrar que seja assim. Creio que o castigo que ele recebeu foi esse, ficar preso na trama do tempo, e nada mais havia de novo. Sempre rolando a pedra pro alto e ela voltando a descer, num retorno infindável de vã repetição, sem que nada se aprenda.
Não aprender me angustia, soa como sentença de morte! Será que existem muitos que não querem aprender? Se existirem, o que será que os convenceu a irem contra sua própria natureza, ou os deformou, tirou-lhes a forma? 
Nossa natureza deseja conhecer, é o alimento da mente. As crianças sabem disso e agem assim. Se não se sabe como a mente é e nem onde ela fica, uma coisa se sabe, que sua forma é aprender. 
A mente é muito de nós, consegue viver no amanhã, pensar um futuro distante, um passado remoto. Ela tem uma liberdade que o corpo não tem. Perdoem-me os que criticam os dualistas, mas nem isso eu sou. Sei que se podem ver três de nossas partes, nem só uma única e nem só duas delas, mas três: Espírito, alma e corpo, tudo entrelaçado. Será que vão me virar as costas por eu pensar assim? Se assim for, o que poderia fazer ... Mentir? Não quero! Prefiro não ser aceita ou que não me deem ouvidos.
Voltando a pensar o tempo, se é que mudamos de assunto, ele trás consigo promessas, entre elas as de Felicidade. Quem já não pensou em ser feliz amanhã ou depois de amanhã? Ou pensar que no amanhã tudo se resolverá, como se o tempo se encarregasse de escolher por nós. Talvez a mente e o tempo sejam feitos do mesmo tecido e com os mesmos bordados, o que justificaria tal ilusão.
A Rainha Branca do conto de Alice no País do Espelho desabafa: 
- "Gostaria de poder me sentir feliz! Mas não consigo me lembrar de como é a regra da felicidade. Você deve estar muito contente por morar nesta floresta e poder ser feliz sempre que tem vontade!" ... A qualquer hora.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O TEMPO SEM RELÓGIO

Já viu e ouviu alguém contando uma história, e ao perguntar quando o conto ocorreu, achando que teria acontecido a pouco, esse alguém diz que se passou faz 40, 50 anos ou mais?
O Tempo é mesmo relativo, parece até que tem 'temperamento'; bastante instável por sinal. Por vezes dizemos: "Tempos difíceis", "bons tempos", "tempo que não passa", "tempo que se esvai", "tempo generoso", "tempo ruim", e por certo que há outros.
Tive essa sensação de forma peculiar ao ler um conto descrito no Dublinenses, de J. Joyce.  Ele tem um jeito de contar que gosto de ouvir. Conta coisas que acontecem em todos os tempos e em todo lugar, não só em Dublin. Parecia estar falando de algo que aconteceu no agora, e descreve como criança, sem dizer se o que se passou foi bom ou ruim, só foi. 
Espontâneo pensar que os seres humanos não cabem no tempo, quer ele tenha temperamento ou não. Ou o outro extremo, estão presos nele, sem que se possa sair. Sempre pergunto aos meus alunos, se pudessem desenhar o tempo, como ele seria.
Mas, o conto que me demorou foi sobre o senhor Little Chandler, que, segundo o que ouvi, descontentou-se consigo. Isso não causou estranheza alguma, pois são poucos os que estão satisfeitos com quem são ou onde estão. Conheço muitos casos.
Aí pensei, mas o ser e o estar não estão no tempo? Como se conjuga um verbo sem tempo? 
Nem precisava provar, o senhor Einstein tinha mesmo razão. Percebeu que tempo e espaço são indissociáveis. E quem será que os separou antes dele dizer isso?
Logo passei a desconfiar que o personagem de quem falei teria sido preso por esse de temperamento instável. Quem é que não sabe que mágoa, ressentimento, ódio, rancor, inveja prendem no tempo? Por vezes, por causa de bobagem. Isso que me chocou.
Segundo a descrição do conto, o senhor Little Chandler tinha uma esposa e tinha vontade de ler poemas pra ela. Tinha casado a um ano. Tinha um filho, um bebê saudável. Tinha família. Não tinha hábito de bebida forte, mas bebeu Whisky, só como pretexto para conversar. Tinha alma sensível de pele fininha, escritor de poemas. Tinha sofrimentos e impressões que queria expressar em versos. "Memórias do passado não o sensibilizavam, pois tinha a alma repleta de uma alegria presente (...) e singela". Não se achava velho, tinha 32. 
"Às vezes, desafiava a causa de seus temores". Tinha "melancolia moderada" e também tinha fé. Era sério. Tinha resignação. Era irlandês. 
"Não tinha dúvida que para vencer na vida era preciso ter audácia". Achava que não a tinha. "Tinha o hábito de andar depressa". 
Little Chandler parecia ter tanto!!! Será que ele sabia o que tinha?
Ele tinha um 'amigo', e no meio do conto, ao encontrar-se com ele, que estava visitando Dublin, o invejou. 
Ainda não acredito que ele o invejou, e só num encontro deixou de olhar para o que tinha e passou a reparar no que não tinha, que era a vida daquele que achava ser seu amigo, um boêmio, de caráter duvidoso. Ele disse a Little Chandler que se um dia se casasse seria com o dinheiro. Disse: "Ela deverá ter uma gorda soma no banco ou não servirá para mim".
Não devo julgá-lo, eu sei. Não quero julgar, nem posso, pois creio que não há quem não tenha de vigiar para não cair no engano, não esteja sujeito à ignorância ou que tenha de ficar atento para não ficar preso no tempo. 
Mas, como pôde ter invejado alguém que só queria ter dinheiro?! 
Escolheu querer ser o que não era, talvez por nem saber quem fosse. Talvez ainda, que tenha julgado a si, desprezando-se. Pois não querer saber de si e nem interessar-se por se conhecer são formas eficazes de expressar desprezo. Não pode ser bom desprezar a si, nem achar que não tem valor, seria acreditar na mentira e se deixar possuir pelo engano. 
Se assim o fizer, tem uma lei, que senhor Einstein não descreve, que diz que desprezar a si é extensivo a desprezar a outros, e tudo que conquista, tudo o que tem passa a não ter mais valor. Um Midas às avessas.
Sei que no final do conto ele tinha ódio e tinha remorso. Um homem que a pouco tempo tinha tanto ... Talvez não soubesse. Que pena. Ouvi tantas vezes o clichê: Eu era feliz e não sabia. Talvez seja só mais um clichê. 
Como pode em um conto, em um encontro, um só, perder tanto, perder-se tanto, prender-se no tempo e no engano, deixar-se prender. Como pôde?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CONEXÕES E VIOLAÇÕES

Escrevi em algum lugar, que não me lembro onde, que prefiro o gato de Schrödinger a que o cachorro de Pavlov, e faço essa escolha novamente, agora com maior consciência.
Ainda não entendemos as implicações mais profundas que possam nos dar pistas do que é de fato o real, e me interessa saber. 
Talvez o real tenha a ver com a escolha de um ponto de partida, pois pode ter muitos do real espalhados por aí, sem que vejamos. 
Como, por exemplo, na experiência imaginária do gato de Schrödinger, ele poderia estar vivo e morto ao mesmo tempo, em realidades justapostas. O curioso é perceber que quem entrelaça a realidade nessa experiência mental é o observador consciente, ao conectar-se com o gato, ao olhar para ele, e demonstrar interesse em ver se estará vivo ou morto.
Acredito que o olhar cria realidades. As mentes criam. O interesse impulsiona. E o aproximar-se em pensamento estabelece uma conexão.
Mudando um pouco de assunto, por vezes me pergunto, porque tenho de esperar alguém que considero importante dizer o que no íntimo já intuía? Talvez seja minha cabeça dura e difícil de convencer, semelhante a Tomé. Não precisa ser nenhum gênio para saber que sentir é bem mais rápido que pensar. Se posso escolher, prefiro ter fé. 
Também não preciso saber muito para sentir que quanto às conexões que fazemos e desfazemos ao longo da vida, participamos intimamente da criação de cada uma delas. E tanto podemos dar vida como julgar, decretando a morte.
Não sou nada original ao pensar assim, pois seguro que a muito e muitas vezes já se pensou. Mas, como cada experiência é única, e o modo de contá-la também, a história se repete individualmente toda vez que alguém passa por ela.
Voltando ao assunto, inspirada pela sugestão de Schrödinger, aprendi a prestar atenção no ritual que envolve a "assinatura" das conexões que criamos. Passei a olhar, como observadora consciente, dois tipos de conexões muito comumente praticadas, só não sei se de modo muito consciente: alianças e contratos.
Até onde sei os contratos são contingentes, dependem da intenção do outro. Pois se o que foi prometido não se cumprir, os envolvidos ficam desobrigados de seguirem o acordo, e a questão tem de ser revista até que se resolva o impasse. Seguro que no contrato não cumprido a confiança é arruinada e a obrigação faz exigir uma retratação, ou a fúria se instala.  Ninguém vai admitir perder.
No caso da aliança é diferente, é de uma natureza delicada, bem mais sutil. É o tipo de conexão que quando feita não depende do outro para se estabelecer, ela é autônoma, livre, feita com laços desobrigados de amor. 
Enquanto a natureza do contrato é ser bilateral, condicional, revogável e dissolúvel, a aliança é seu oposto, pois quem escolhe fazê-la não a faz condicionalmente, ela não se guia pelo "se e somente se" ... 
A aliança assume e não duvida. Por isso a confiança vem como acréscimo. A aliança é inviolável, incondicional e indissolúvel. Porém, se confundida com o contrato e agredida pela fúria (temos de considerar que vivemos no mundo dos homens de corações duros) não se perde só em espécie, se perdem pedaços, e sem pensar sobre os direitos, uma voz que fala mais forte, com convicção, diz assim: "Ainda que se distancie, que se perca e que vá embora vou me esticar para estar junto, mesmo que não se perceba." 
Quem sabe a ciência passe a nos ensinar  sobre isso, e conte de novo, mas ao seu modo, o que já foi sentido. 
Já ouviu falar sobre a Teoria do Entrelaçamento Quântico? Vou procurar saber. Me disseram que ela descreve a aliança entre partículas, porque contratos elas não fazem. 

domingo, 1 de dezembro de 2013

A QUESTÃO DA IDENTIDADE

Por um tempo, e num tempo que ficou pra trás, passei a me perguntar, de repente, assim mesmo, de um dia para o outro: Se tenho Identidade sou idêntica ... Idêntica a quem? ...
Naquele tempo do atrás, não achei resposta, e um pouco mais adiante passei a perguntar de novo. 
Já ouvia a Filosofia dizer, que cada qual é aquilo que é. Mas, saber que é não me parecia o suficiente, a questão era saber o que se é.
Aquele alemão de que falei, o inteligente e famoso, Leibniz, tocou nesse assunto, e escreveu: "Tudo aquilo que é é; e: É impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo". (Ensaio, I, 1, 4)
Sabe; por mais que eu simpatize com esse senhor e o julgue magnânimo, essa sua definição não me ajudou muito, ao menos não para saber o que queria. 
Não serve dizer que o ente é ente, isso é demasiado tautológico. Pois, como se sabe, do que é tautológico não se tira novidade alguma, e eu queria aprender.
Com Baumgarten, um outro alemão, encontrei uma pista:  Identidade está relacionada ao "Absolutamente Primeiro". Aí que não parei mais de pensar, e fui seguindo. Bem que lembrei que somos seres de Ordem, e não tinha como não lembrar. 
Meu pensamento gritou: Nossa!! Identidade vem de um Absolutamente Primeiro!! 
Depois da euforia, pensei que não deveria ser uma surpresa, pois também o mundo não começou assim, de um Primeiro?
Voltei a ouvir o Leibniz, para ver se colhia alguma outra pista, e como ele é da classe dos homens que escrevem coisas que perduram, claro que não ira me decepcionar. 
Ele falava de algo que leva o nome, que parece de poema, de Identidade dos indiscerníveis. Se o ouvi bem, quer dizer que os objetos podem ser idênticos quanto a suas propriedades externas, mas, onde não se pode ver, internamente, não seriam idênticos. E ele continuou dizendo que deve haver uma razão suficiente que explique o motivo dessa diferença intrínseca, para que os que parecem ser idênticos, não seja assim, mas sejam únicos. Ele não disse o que os idênticos são, mas passei a prestar atenção em outro algo, na diferença que não se pode ver.
Aí, mudei a rota, pois passei a pensar que não poderia ver o mundo com o olho do outro, nem poderia saber o que se passa por dentro de quem não me diz como se sente. 
Como saber o que se passou, como se chegou até onde se está e como se sentiu até chegar ali?
Creio ser esse um bom caminho para o perdão, pois quando se entende, compreende o trajeto e o sentir de cada qual, julgar não faz mais sentido, e o outro poderia vir a ser o contínuo do que eu não posso ser, ser o que não vivi, nem mesmo vi ou senti. 
A partir de então, saber quem sou, idêntica a quem, deixou de ter importância, e passei a gostar mais de saber do vivido de cada qual, pois entendi que tinham a ver comigo.
Dali só se seguiu uma consequência, que foi pensar que o eu não é do tamanho que eu pensava, ele é muito maior, é feito de muitos, é feito das vidas que não vivi, é feito de nós. Se for assim, já estou satisfeita e não me importa perguntar mais sobre isso. Entendi.