terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A EFEMERIDADE DO QUE PODE SER OLHADO

O que é despedir-se se não a consciência do que não tem ainda lugar permanente ...
Quando o que aparece deixa de ser olhado pode ser esquecido ou perpetuar uma imagem vista que se esmaece, mesmo com a insistência da memória.
De que adianta apegar-se ao que aparece, porque pode desaparecer em um soluço.
As aparências mudam; quando mudam muito, se estranha, e quando não mudam, se enjoa.
Pele é proteção, não existe por causa de nada, tem seu motivo; quando deixa de existir pode ser por violência, que dali foi arrancada, ou por falta de serventia e se retira.
Pele é feita de pó, e o pó, em grande parte, feito de pele.
Será que o que deixa de existir seria somente por violência ou por falta de serventia? ... Não sei ...
Aprendi desde madrugada que corpo é estada, não é permanência. 
Um corpo atrai, mas não fixa para sempre; não consegue atrair para ficar, um dia se cansa e vai, se espalha.
Um corpo que dói merece atenção, para não se por em fragmentos, nem ir embora sem que se saiba; entretanto, tudo em demasia sofre seus efeitos.
Quando já não há mais tempo, de que adianta sentir as dores, só servem para avisar que há fissuras no muro, que não se sustenta mais, que o tecido está roto e que há de dissolverem-se as tramas. 
Comprai tesouros no céu, em que traça não come e ladrão não rouba, tampouco torna-se pó. 
Lá não se remenda tecido novo em vestido velho, nem se põem vinho novo em vasos velhos, pois as vestem não rasgam, nem o vaso se quebra.
Quando o tempo está por acabar, se não houver tesouro, só se consegue ver a dor.
Corpo feito de pó, mistura barro e água, ponha-se de pé o que estava caído; caído estava, pois, dali que veio.
Os que não nasceram da vontade do pó vieram da promessa, das coisas que não se veem, mas se espera.
Pó que por um tempo se ordena em edifícios com muitos andares, com vigas feitas do que lhe é próprio, de pó. 
O tempo está na medida: Do pó veio, ao pó voltará.
Projetos futuros ... Desaparecerão. 
Linguagem a ensinar e aprender ... Cessará.
Ciência? ... Passará.
Só uma coisa importa, e, escolheste a melhor delas, o que pode ajuntar o pó e transformar vasos de barro em ouro.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

UM CONCEITO VIVO: A BELEZA DA ALMA

Hegel disse ser o retraimento a beleza da alma. 
Ao ler por primeiro, achei até que poderia ser; depois pensei melhor e não sei se o retraimento seja o motivo de tornar a alma bela. Talvez Balzac concordasse com Hegel, mas confesso que eu não.
Falemos primeiro da superfície da ilusão para depois nos referirmos ao oceano da alma. 
Nem precisam muitas palavras, aprendi com uma criança, por estes dias, a responder como se deve quando se é intimidado. 
Essa criança era uma menina linda que deveria ter uns 6 anos; uma outra criança, que parecia ser seu amigo, lhe disse:
- Você é feia, e não brinco com pessoas feias.
No que, calma e educadamente, ela respondeu enquanto fazia ondinhas na água com o dedinho indicador:
- Todas as pessoas são bonitas.
Uau! Hegel deveria tê-la conhecido ... Pena que o tempo não deixa. Tive sorte: lugar certo, hora certa, palavras exatas.
Será que uma alma retraída poderia tê-la ouvido? 
Penso que todos sabem que escutar é bem diferente de ouvir.
Como também, olhar é bem diferente de ver.
Esta, por uns tempos, foi uma de minhas queixas: não ser vista.
Depois me perguntei sobre esta necessidade, pois, será que o que não é visto pensa que não existe?
Mas, existir também é diferente de estar vivo.
Vida é abundante, é sacudida, revigorante. Não faz pulsar somente o coração, mas é subjacente a ele. Não se retrai, transborda.
Penso ter ouvido isto, que a bela alma é a que é pulsante.
E, só para acrescentar, pois estava às voltas com outra criança de muito pouca idade, também muito perspicaz; ao observar e ver, me disse:
- Você olha lindo.
Perguntei como é olhar lindo; o que me respondeu:
- É achar tudo maravilhoso.
E concluiu ...
- Sua vida deve ser muito feliz.
Todas as pessoas são lindas, e as crianças, além de lindas, são radiantes de alma bela; É tão certo que delas seja o Reino dos Céus.