quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

DIA DO PERDÃO

Quando algo se quebra e se espalha de modo que não se pode juntar, o que há para ser feito?
Um feito é um feito, sempre marca, justamente por isso se chama "feito", foi feito, e não se volta o tempo.
A irreversibilidade do tempo é um tanto inflexível, diria meio severa até. Ainda bem que o espaço não é assim, onde se foi dá para voltar, mas Heráclito diria: "Já não é mais o mesmo lugar". Que inconveniência dizer isso ...
Mas há algo que assim como o tempo teima em não reverter sua posição - o dito. O que foi dito, foi dito. 
E para onde as palavras vão para que se possa tomá-las de volta, as convença de voltarem? Elas devem entrar e sair de ouvidos que estão atentos para acolhe-las, mas nem todo ouvido ouve, tem alguns que são ouvidos que não ouvem, por vezes escutam, mas só as vezes.
E o tempo está indo para aonde, caminha com as palavras será? 
Hegel costumava dizer que o tempo estava indo para o Absoluto, o que faz muito sentido, pois Ele tudo escuta, é todo ouvido, tem ouvido Absoluto. 
Por isso, para quem O ama é sempre melhor não murmurar e sim somente agradecer, reconhecendo que nascemos sem nada, sem direito algum, verdadeiramente tudo são presentes, e vamos nos enchendo de presentes ao longo de toda a vida. 
Nem todos sabem valorizar presentes, são muitos os que reclamam do que ganham, do tamanho, da cor, do gosto, da dor ...
Se recebemos o bem, por que não os males? Jó não foi mesmo um homem comum. São poucos os que suportam receber mal quando presenteiam com o bem; esses gritam logo: "Injustiça!". E Jó ... Jó gritou? ... Talvez tenha sussurrado? ... Talvez?
Acolhimento é um presente que vem de braços abertos e dá aquele abraço bem gostoso, convida a pertencer. Gosto do gosto da sensação de pertencer. 
Mas sem querer digredir o assunto, nascemos sem nada. Ou pensando melhor, já nascemos presenteados, pois a vida é um presente; de direito é que a vida não é!
Não está escrito em nenhum lugar, salvo no que os homens inventam, que vida é um direito. 
Cadeia alimentar segue a lei, e ela não dá nenhum direito, seguramente nem a chance de tentar convencer. 
Essa coisa de convencer é mesmo a arte dos homens.
Estou segura que a vida é um presente. Não agradecer a quem a deu é mesmo um insulto!
Nós humanos não somos dados à justiça, seres de pouca polidez, por sempre achar que a justiça se aplica ao outro, ao que não é o eu, justiça é coisa para alteridade, aí sim tudo funcionaria bem, diriam. 
Rãm, rãm ... Eis o velho e persistente egoísmo entrando em cena, acompanhado da arrogância e do orgulho. 
Dois não andam juntos se não houver algo comum, e veja só ... pois os três se parecem e muito!
Para curar e afugentar essas más companhias só o Dia do Perdão, que bom se fosse esse um direito, um feriado em todos os calendários. 
Os judeus têm esse dia. Eles sabem muito mesmo, talvez nem sempre pratiquem, mas sei que eles sabem muito.
O Dia do Perdão que imagino perdoa-se a si primeiro, pois ninguém pode amar alguém mais do que a si, e perdoar mais do que a si não deve conseguir também, ao menos acho eu. 
Não parece que seria salutar amar o outro mais que a si, não poderia ser esse um amor de qualidade refinada. 
Pois como bem disse Nietzsche, e o disse mais ou menos assim: "que não me roubem de mim se não for para oferecer algo tão bom quanto". Na verdade ele disse: " se não for para oferecer algo melhor que (...)", eu quem achei melhor melhorar.