segunda-feira, 25 de novembro de 2013

FOME E SEDE DE JUSTIÇA

"Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque eles serão fartos."
Essa promessa não deve ser para os justos, pois esses não devem sentir nem fome, nem sede de Justiça. Já são justos, por que teriam fome e sede? O que me faz pensar: como é possível ser justo? Não digo se sentir, pois sentimento muda e engana, mas me refiro a ser. Como é possível um equilíbrio imparcial que julgue entre riquezas, oportunidades e interesses?
Será que pode haver um ser humano que consiga ser imparcial e que não se importe nem com riquezas, oportunidades e interesses?
Talvez se não forem os meus eu poderia julgar com justiça. O que logo me levaria a crer que eu posso ser justa, em algo que não me diga respeito. 
Mas aí há um empecilho: como seria possível me envolver verdadeiramente com algo que não tenho interesse algum?

Falamos de justiça com tanta propriedade, como se a conhecêssemos.Talvez seja melhor dar um outro nome ao sentimento que achamos ser a Justiça, por ser só um sentimento, como disse antes, e pra não confundir.
Pois, o justo, para ser justo, tem de ser em ação contínua. Não dá pra ser justo só quando se está com vontade, nesse caso, justo não seria. O justo tem de aplicar Justiça seja qual for a circunstância, e também não importa a quem ele a aplica, se não, não poderia exercê-la justamente. Nesse sentido, tenho a impressão de que justo é o que decreta e dá legalidade, o que dá e que julga ser legitimamente apropriado para.  
Lembra da vingança que sempre vem à galope? A vingança não dá, ela toma.
Mas, ainda sobre a Justiça seria pertinente considerar que são tantas as nossas oscilações e mudanças de interesses, oportunidades e dinheiro que vai e que vem, que o que pensamos que seja justiça num dia pode não ser mais no outro. Não é assim que vemos acontecer ao longo dos tempos? 
Os deuses do Olimpo são um bom contra exemplo de Justiça. Mudavam as regras conforme o humor. Aplicavam "o apropriado para" de acordo com o que sentiam no dia, ainda que fosse inveja, ódio, rancor. Davam a cada um não o que lhe era próprio, mas o que era seu, despejando sobre os homens suas desvalias e frustrações. Sei que muitos imperadores, príncipes e governantes, personalidades importantes da História agiram assim, os livros nos contam.
Por isso prefiro a graça, pois ela vem sem nenhuma obrigação. Ela não dá o que é próprio a ninguém, ela presenteia, mesmo sem merecimento algum.
Ao observar e lembrar dos monumentos erguidos à senhora Justiça, que a afiguram muito elegante por sinal e com bela postura, ela é cega?! 
Como, sem ver e discernir, vai saber reconhecer o que é próprio para cada qual dos que a solicitam? Além de cega, ela está com uma espada na mão. Imagina o perigo?! O que me fez lembrar da rainha de Copas de Lewis Carroll, ou melhor, do matemático Charles Lutwidge Dodgson, que não tinha uma espada na mão, mas mandava, por motivos tolos, cortarem as cabeças, sem discernimento algum.
A mim me parece que o que se deve esperar da Justiça é que ela veja, ao menos é o que eu espero, que ela olhe pra mim e julgue minha causa. Vendo, analise minha petição, sem considerar afeição ou repulsa, sem fazer acepção de pessoas, e dê a cada qual o que lhe seja próprio, que me dê se me for próprio. Não seria isso, não é razoável pensar que seja? E, se for assim, quem dos que nasceram com olhos poderiam exercer tal ação continuamente?
Acho que honesto seria reconhecer que para a Justiça não estamos aptos. Temos é fome e sede de justiça, isso sim. 
Depois de pensar sobre a Justiça, acho que existe na terra dos viventes os que sentem e os que dormem. Sendo que esses últimos já não sentem.
Por isso se diz: Não há um justo, nenhum se quer. Não há ninguém que entenda; (...) Todos carecem da Graça de Deus.

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